E POR QUE ELA PODE TE AJUDAR A SER MAIS FELIZ E SAUDÁVEL
A terapia trata de questões referentes ao psicológico, emocional e comportamental, por meio de estratégias verbais e não verbais, a fim de auxiliar o paciente a encontrar formas de aliviar seus incômodos e melhorar todas as suas formas de relacionamento, sobretudo consigo mesmo.
Hoje, iremos passear pelas veredas do senso comum e falar sobre as verdades e os mitos que cercam o universo da terapia.
Antes de tudo, vamos deixar bem claro: terapia não é coisa de doido! É coisa de gente sã, já que serve para conseguirmos lidar com quem não faz terapia. Por volta de 1950, Rollo May já dizia que “as pessoas que procuram terapia não são as que estão loucas. São aquelas para quem as proibições sociais deixaram de afetar. Muitas vezes, são mais os sensíveis e os mais bem dotados membros da sociedade, e precisam de ajuda no sentido mais amplo, por terem mais dificuldade de racionalizar que o cidadão bem ajustado, capaz de disfarçar seus conflitos subconscientes”.
Você entende o que isso quer dizer?
Ele está dizendo que as pessoas que têm mais dificuldade em lidar com as loucuras da nossa vida atual, da nossa sociedade, da nossa época, com as questões nos afetam — a todos — emocionalmente, as pessoas mais sensíveis (mas disponíveis para o crescimento) acabam tendo, inevitavelmente, mais dificuldade e, até mesmo, sofrendo mais, enquanto as pessoas mais “bem ajustadas” — que estão usando máscaras, adormecidas, na superfície da vida — não sentem com tanta força e buscam, inclusive, nessa confluência social, nos modelos e nos padrões, uma falsa segurança. Essa falsa segurança consegue até, em certa medida, esconder um sentimento de vazio ou de angústia que possa acometer essas pessoas, inclusive delas mesmas. A gente possui a cultura de acreditar que isso é o correto e fica parecendo que estas pessoas é que são saudáveis, que possuem um bom nível de saúde mental.
Mas, para grande parte das abordagens da Psicologia, pessoas assim, quando se dispõem a sessões de terapia, rapidamente percebem que estavam jogando para debaixo do tapete um monte de coisas e que, de normal, não têm nada, estavam se escondendo de si mesmas. Elas não possuem contato suficiente consigo mesmas para identificar os problemas que estão ali dentro, no fundo. Parece fácil pensar assim, “se eu não consigo ver, então não existe”, ou “por que que tem que existir?“. Algumas ainda verbalizam “não gosto de psicólogo, porque ele fica te analisando, vendo seus defeitos”, ou “psicólogo adora arrumar problema onde não tem”.
Vamos, antes de tudo, lembrar que quem analisa é a psicanálise. Se você acredita que é invulnerável emocionalmente, diferente de todo mundo, espere um pouco, porque o próprio organismo mostra! Ele expressa aquilo que a pessoa não aceita na consciência, ou seja: se eu não me dou conta do problema que me afeta, ou se eu o ignoro constantemente e cada vez com maior intensidade, inevitavelmente, em algum momento, dependendo do tamanho desse problema, você vai somatizar. Pode parecer pouco, mas doenças somáticas são as mais vistas nos hospitais pelos psicólogos hospitalares. Assim, somatizações podem ser acumuladas ao longo da vida e levar até a uma morte prematura, por exemplo, e podem, inclusive, ser violentas e acometerem instantaneamente uma pessoa. É o corpo dizendo o que não foi dito, o que não foi resolvido. A gente passa a vida evitando olhar para o óbvio e o corpo obriga a ver.
Portanto, se você quiser continuar com a ideia de que terapia é para doido, ao menos aceite, então, que todos nós somos muito loucos. Que você desperte desta conformidade social e saiba que quem se considera normal, na verdade, é quem se recusa a aceitar que é como todo mundo, que tem suas idiossincrasias, suas neuroses e suas dificuldades.
Pierre Weil, Jean-Yves Leloup e Roberto Crema, três incríveis autores muito sensatos, em seu livro intitulado Normose, dizem que este termo é “o conjunto de hábitos considerados normais e que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade e à doença”. Para eles, e para diversos outros autores na psicologia social, quando todo mundo, sem muita reflexão, concorda com uma maneira de atuar ou uma opinião, manifesta-se o consenso, que dita uma norma e, da norma, se forma o hábito. E, muitas vezes, o hábito que faz bem para o outro é prejudicial para você, mas você não contesta. Aquele pensamento é, então, naturalizado, e você, inconscientemente, não verifica se aquilo é bom ou ruim a partir dos próprios recursos e segue em direção ao sofrimento mental e à doença física. Chega ao médico, cheio de problemas físicos, e não imagina que poderia ter chegado à terapia antes de tê-los. Um outro autor, maravilhoso, Jaques Ranciére, em seu artigo O Dissenso, afirma que “as formas policiais do consenso prometem uma paz que não podem manter, pois jamais avaliaram a dimensão de seus problemas profundos”.
O termo loucura é estigmatizado. Então, se uma pessoa tem transtorno mental, nós a consideramos louca e, quando ela procura ajuda para se tratar, estigmatiza-se também o tratamento.
Louco é aquele que sofre?
Louco é aquele que busca ajuda para não sofrer tanto?
Ou louco é aquele que não procura ajuda, para não ter seu ego ferido, para não ser envergonhado pelo que os outros pensam?
Eu posso ridicularizar uma pessoa louca?
É importante a gente tentar desestruturar essas essas ideias naturalizadas, sob o risco de nos condenarmos a uma vida nada saudável. É preciso parar para refletir um pouco, a partir do coração, ou a partir de uma consciência maior, e observar o que é a minha opinião real, o que que eu penso disso, e o que o mundo pensa disso e me ensinou a pensar sobre isso.
Por que eu tenho medo daquela pessoa que está agindo de uma forma diferente do considerado normal?
Por que eu tenho medo de enfrentar as partes menos normais de mim?
Se o risco é se parecer com um louco, então eu vou sufocar tudo o que há em mim que é estranho às determinações sociais e fingir que assim se é mais feliz?
Quando eu aponto o dedo, na verdade, reclamo de algo no outro que proíbo em mim, mas que existe e não quero mostrar. O outro, o “louco”, é um espelho que me irrita, pois tira minha máscara e escancara algo que custei a esconder. Mostra a minha própria picaretagem, a minha desonestidade mais profunda, e eu quero ser perfeito. Eu quero esconder meus pecados. Eu quero esconder qualquer coisa que possa me fazer sentir, na minha imaginação, rejeitado.
Mas aí está uma super fantasia: a de que a terapia é coisa de louco. Portanto, se você for à terapia, será colocado contra a parede e o terapeuta irá jogar na sua cara tudo o que você não quer ser.
Bem, em certa medida, isso acontece. Mas aí vai um spoiler para quem nunca fez terapia: lá é o lugar em que você descobre que ser cheio de defeitos, louco, hipócrita, cruel, contra algo que não concorda, cheio de problemas… é muito humano. Que todos nós somos assim e que está tudo bem ser assim, está tudo bem ser quem somos. Que se as máscaras que forem retiradas podem até te fazer sofrer um pouco, por conta daqueles que não tiraram as deles, mas sofre-se menos internamente, adquire-se uma liberdade de ser, uma responsabilidade de ser, enquanto uma paz e uma amorosidade internas crescem, por saber que o sentido que você dá para sua vida é o certo pra você e que nada nem ninguém poderia dizer o que é melhor pra você.
E é ali, na sala de terapia, que você tem o espaço completo e livre para falar o que se impede de falar lá fora, sentir o que se proíbe no cotidiano, chorar ou rir do que quer que seja e ter uma pessoa genuinamente interessada no que você diz, em quem você é, no que importa para você, nos sentidos que você construiu para sua vida e em estar do seu lado para superar o que você sente que precisa ser superado. Tudo isso traz consigo um sentimento de ter tirado um mundo de peso das costas, pois há um acolhimento e reconhecimento.
Na psicologia humanista, quem dá sentido para o que se passa com a pessoa é a própria pessoa. Se o que faço/penso/sinto é o que faz sentido para mim, se é isso que me traz realização na vida, está ótimo! O papel do terapeuta é olhar junto ao paciente o que dá sentido à vida dele e se o que tem dado sentido é algo bom, ou se o sentido foi dado através de uma construção de uma história de vida que não é saudável, que faz mal para ele e que ele naturalizou e se acostumou.
Muitas vezes, o que dá sentido pode ser algo neurótico. Por exemplo: se uma menina diz que a vida só tem sentido por causa do namorado, o namorado termina o relacionamento e ela não vê mais sentido na vida, esse é um sentido que não foi construído de uma forma saudável. Assim, parte do trabalho do terapeuta é ajudar o paciente a olhar para estas situações e ressignificá-las, se for o caso, ver se são realmente o que faz bem e o mais amoroso para ele. Desta forma, ele tem a oportunidade de se reconstruir com algo que seja mais vantajoso emocionalmente e que o leve para o crescimento, para uma maturidade com a vida e para se sentir vivo de verdade.
Isso nos leva a um tema de extrema importância e que Sartre tanto falou no existencialismo, quanto foi refletido por tantos outros pensadores (Kierkegaard, Jaspers, Marcel, Heidegger, Schopenhauer): a liberdade é um axioma.
Para o existencialismo, o homem é como ele quer ser, como ele se concebe depois da existência. Ele é livre e responsável, porque cabe a ele decidir e responder (e isso é irrecusável), a cada instante, por quem ele deseja ser, por quem se construiu e por quem se tornou. É impossível não escolher. O homem está condenado a ser livre. As nossas escolhas têm resultados vários e, se eu me guio pelos outros, estou me recusando a tomar responsabilidade existencial que é minha. Estou tentando jogar no lixo algo que é intrínseco meu. Assim, se eu estou grudado à minha liberdade e à minha responsabilidade, se fazem parte de mim, mas tento abdicar disso, estou tentando abdicar de mim. Estou me jogando no lixo. Percebe?
Com base no senso comum, daquilo que foi naturalizado, não só jogamos com nossa própria saúde e deixamos de nos cuidar, como também jogamos com as outras pessoas, somos desumanos e desonestos, sem perceber como o que pensamos e dizemos afeta o outro. É assim com o bullying, é assim com o machismo, é assim com o charlatanismo e com diversas outras formas de violência que fazemos entre nós mesmos.
Logo, um post que trata sobre terapia acaba se expandindo para diversas questões do nosso cuidado, do autocuidado e do amor próprio, que exige observar o que é bom e o que é ruim para mim, o que é meu e o que é do outro, o que estou escondendo de mim e apontando no outro, o que estou apontando em mim e ignorando no outro, o que aprendi e concordo e o que aprendi e não pensei a respeito — e nem sei se concordo.
A necessidade de questionar o que nos é dado de bandeja é vital para o crescimento e para a felicidade real. Não é um trabalho fácil, mas é um trabalho que liberta e nos dá o sentimento de estarmos vivos de verdade, e não apenas existindo como robozinhos. É o que nos coloca como humanos, convivendo em sociedade e compartilhando nossas alegrias e dores com nossos irmãos.
No final das contas, assim, eu posso ter um olhar mais humano para com o outro e conseguir abarcar a existência do outro e a minha, COM-VIVER, respeitando a dignidade que o outro tem de fato, sabendo que responsabilidade e liberdade são axiomas e que não deveria ser preciso conquistá-las.
Mas é importante, também, lembrarmos que, exatamente através do mesmo argumento, podemos dizer que se o outro me fere, eu tenho responsabilidade para comigo mesma de impedi-lo ou de dizer não, enquanto o outro tem a responsabilidade de lidar com esta consequência de sua ação. Então, quando falamos de liberdade e responsabilidade, não estamos falando de anarquia, porque antes de tudo, temos um responsável interno que nos orienta para o bem viver, para a saúde, para o que é bom, que todos nós buscamos tanto.
Portanto, se eu não aceito as consequências, eu não estou realmente livre! Eu estou preso a um desejo de prazer e a uma eterna fuga do desprazer (como Freud nos deixou claro em sua obra, para falar em termos psicanalíticos). Se há uma obrigatoriedade do prazer e uma recusa ferrenha ao desprazer, eu não vou aceitar sofrer o resultado das minhas escolhas, eu não estou respondendo à vida, e assim não estou livre. A sensação de plenitude nunca chega a quem faz apenas o que quer. A sensação de realização nunca acontece aqui e agora, é sempre no futuro, para quem não quer responder ao chamado da vida. Quando nos damos conta disso, o sentimento de realização é imediato. É existencial, não superficial. É uma nutrição real, um alimento que realmente alimenta. Não é preciso buscar tão longe. Talvez seja preciso parar de buscar atalhos e enfrentar com coragem o perigo de ser livre, pois esse é o caminho da felicidade concreta.
Fica, então, uma pergunta para reflexão:
Você que não está feliz, que tem estado ansioso, angustiado, estressado, frustrado, você que tem algo grave acontecendo aí dentro, ou que as circunstâncias não estão boas, reflita por um momento:
Em que ponto disso tudo você está impedindo a realidade de ser como ela já é?
A que ponto você está dizendo não às coisas que já são e está recusando a realidade como é, querendo que seja diferente?
A vida nos chama o tempo todo. O momento presente é gritante, mas nós o evitamos, sempre com a cabeça no passado ou no futuro. A concretude das relações humanas está escancarada a todo momento, mas preferimos não ver nem ouvir e, ao nos colocarmos de frente para as outras pessoas, agimos cruelmente da mesma forma que agimos conosco, derivados de um senso comum, de uma naturalização da violência em níveis sutis. E, o mais importante: Sartre diz que “não importa mais o que fizeram de você, mas o que você fez com o que fizeram de você”. Ou seja: você pode até se esconder atrás dos escudos covardes e culpar o outro — “eu nasci assim”, “eu não consigo mudar, porque foi assim que me construíram” -, mas, se você quer se sentir pleno, feliz e vivo, o caminho é seu e de mais ninguém. Parece injusto? Entenda que saber que não é preciso ficar trancado na gaiola do que fizeram de você e poder abrir as asas e se reconstruir é a sensação mais maravilhosa do mundo. Pra falar a verdade, mal dá para entender como alguém prefere ser um escravo do ego desse jeito.
Resumindo: fazer terapia não é coisa de louco, é coisa de corajosos. E não porque o terapeuta é malvado e vai te maltratar, mas porque é um processo interno em busca do santo graal de estar vivo. E é uma jornada do Herói. É preciso enfrentar-se para chegar lá e, ao chegar, é maravilhoso. Recusar fazer esta jornada, mais cedo ou mais tarde, vai te importunar de novo e você será chamado para trilhá-la, sob a pena de somente existir e flutuar no mundo, vendo outras pessoas vivas por aí e sentindo-se adormecido até a morte. Isso é desesperador. E é bem assim que a maioria chega ao consultório, já no pico do desespero existencial.
Para finalizar, segue um trecho da série The Sinner. Se você assistiu, apenas suspenda o julgamento de quem disse a frase, leia com atenção e veja quanto é cheia de significado:
“Todos os dias eu busco por uma saída do labirinto. Todos os dias o Minotauro me persegue. Correr apenas dá ao touro mais poder. A única saída é para dentro. Devo aceitar que no centro do labirinto, não encontrarei o Minotauro, mas a mim mesmo. Eu sou o Minotauro, estou caçando a mim mesmo.”
Tudo que é dito aqui diz respeito à uma visão da psicologia humanista. Existem tantas psicologias quanto existem filosofias, e é preciso entender isso. Psicólogo não é tudo igual. E se você já tiver experimentado ir numa terapia e não gostou, talvez não seja a abordagem ideal pra você. Procure sempre perguntar ao terapeuta qual é a abordagem que ele trabalha, e se não gostar, vá em um profissional de outra abordagem, que você pode descobrir algo mais compatível. Cada abordagem serve para um tipo de pessoa e nem todas as pessoas concordariam com tudo dito aqui até agora. E está tudo bem também, a alteridade é linda. As diferenças são lindas. São as diferenças individuais que dão cor e ritmo ao mundo.
Que este post tenha sido esclarecedor e iluminado um pouco suas percepções acerca da terapia.
Até a próxima!
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